quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Barreiras da Europa


A parede devolve-lhe em uníssono o seu eco, mas num tom de sarcasmo. Ainda cheirava a cal fresca. Rodapés imperfeitos, denunciavam um trabalho impaciente de quem não sabia pintar, ou sequer planeava fazer aquele trabalho. Impotente, ajoelha-se durante instantes perante um silêncio caiado de branco que lhe roubara um sonho emergente.
Eram quilómetros de parede sem fim confinados com arame farpado. A liberdade que esteve tão perto, estava agora impedida e vigiada por húngaros munidos de kalashnikovs sequiosas por ferir alguém. Despercebidamente, com um lenço seca o suor da sua fronte e limpa as lágrimas que não conseguira conter em frente a duas crianças famintas que o acompanhavam. Deram as mãos e decidem, rumar para um dos lados. Não podiam desistir. O mediterrâneo já tinha “deglutido” o pai das duas crianças e outras tantas almas que arriscaram as suas vidas numa viagem de lancha até ao sul da Europa. E seguiram. Caminharam paralelemente durante quilómetros, até alcançarem o fim daquela infinidade de betão caiado. Quando estavam perto, surge uma vedação de aço igualmente delimitada com arame farpado e um militar de sentinela aguardava-os. Não havia diálogo possível. O húngaro e o árabe desarmonizavam, os gestos do militar indicavam com impassibilidade que a viagem terminara ali e teriam de voltar para trás.
Vencidos pelo cansaço e pelas contingências, pousaram os seus poucos pertences e deram um abraço, saciando a vontade das almas do mediterrâneo, esperando que um milagre pudesse acontecer. Com gestos, lágrimas e silêncios desmedidos, o homem mostra um pequeno cartão em árabe com a sua fotografia, e faz sobressair o bastão de Asclépio do seu cartão de médico perante o militar, numa última tentativa de diálogo. Nisto, a cortina de aço abre-se sorrateiramente, e as crianças correm para dentro da Europa.
O homem? Regressou sorrindo. Foi salvar outras vidas!

NC

Imagem: DADO RUVIC / REUTERS

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