A parede
devolve-lhe em uníssono o seu eco, mas num tom de sarcasmo. Ainda cheirava a cal
fresca. Rodapés imperfeitos, denunciavam um trabalho impaciente de quem não
sabia pintar, ou sequer planeava fazer aquele trabalho. Impotente, ajoelha-se
durante instantes perante um silêncio caiado de branco que lhe roubara um sonho
emergente.
Eram
quilómetros de parede sem fim confinados com arame farpado. A liberdade que
esteve tão perto, estava agora impedida e vigiada por húngaros munidos de
kalashnikovs sequiosas por ferir alguém. Despercebidamente, com um lenço seca o
suor da sua fronte e limpa as lágrimas que não conseguira conter em frente a
duas crianças famintas que o acompanhavam. Deram as mãos e decidem, rumar para
um dos lados. Não podiam desistir. O mediterrâneo já tinha “deglutido” o pai
das duas crianças e outras tantas almas que arriscaram as suas vidas numa
viagem de lancha até ao sul da Europa. E seguiram. Caminharam paralelemente
durante quilómetros, até alcançarem o fim daquela infinidade de betão caiado.
Quando estavam perto, surge uma vedação de aço igualmente delimitada com arame
farpado e um militar de sentinela aguardava-os. Não havia diálogo possível. O
húngaro e o árabe desarmonizavam, os gestos do militar indicavam com
impassibilidade que a viagem terminara ali e teriam de voltar para trás.
Vencidos
pelo cansaço e pelas contingências, pousaram os seus poucos pertences e deram
um abraço, saciando a vontade das almas do mediterrâneo, esperando que um
milagre pudesse acontecer. Com gestos, lágrimas e silêncios desmedidos, o homem
mostra um pequeno cartão em árabe com a sua fotografia, e faz sobressair o
bastão de Asclépio do seu cartão de médico perante o militar, numa última
tentativa de diálogo. Nisto, a cortina de aço abre-se sorrateiramente, e as
crianças correm para dentro da Europa.
O homem?
Regressou sorrindo. Foi salvar outras vidas!
NC
Imagem: DADO RUVIC / REUTERS
Sem comentários:
Enviar um comentário