Tenho consumido instantes em demasia. Noite após noite, com o rocio a seduzir a minha mente com as gotículas minúsculas que atropelam cada folha que me rodeia, observo com fulgor aquela pausa, mágica, que a natureza me oferece. Enquanto as pequenas gotículas formam uma gota maior, uma folha carrega em si minutos de vigor. É tempo de mais digo eu. O instante até que nova gota cresça e espreite o substrato, é suficientemente atroz e inquietante para quem dele espera um bom motivo para uma fotografia. Mas é concomitantemente gracioso para quem o aprecia, e dele bebe o melhor acontecimento do dia, ou da noite. É sinónimo de estar vivo! Estar ali, vivenciar e poder partilhar com o nosso espírito a melodia e essência da vida. Quão feliz seria, se tivesse este acaso todos dias? Tenho consumido instantes em demasia. Daqueles que não interessam para nada e de nada interessam. Sou como que um mortal que está adormecido e de quando em vez renasce ao tom de melodias inolvidáveis, de palavras ociosas que superam qualquer silêncio e de estranhos instantes que condicionem a minha memória para todo o sempre. A vida fará todo o sentido se viajarmos nela com pausas, tal como a pausa do rocio e da gota que se torna, pois que, dentro de cada pausa, cabe uma infinidade de intermitências que podemos mortificar ou vivenciar. Tenho consumido instantes em demasia. Viver cada um deles como se fosse o último, não é a mesma coisa. Prefiro aproveitar cada pausa, porque dela sei que posso refletir sobre as intermitências intrínsecas do instante. Tenho certo que o tempo, esse, não mais parará. Na realidade, comecei a sentir-me vivo quando fui capaz de viver pequenos acontecimentos como este. Estou vivo. Nasci num desses instantes. E espero poder morrer numa dessas pausas.
Nuno Cordas
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