A porta
clama devagar a sua velhice com um chiar prolongado, e deixa entrar o som de um
par de saltos altos que fazem ranger o velho chão de madeira na pensão. Vencido
pelo absinto, estou caído sob um colchão de molas calejado que me afunda no
centro da cama. A luz é reduzida e oiço a ignescência de um fósforo a acender
uma vela! Ao ouvido uma voz quente e mélica sussurra-me o refrão da última
música que tinha ouvido no bar ao som do piano. Lembro-me que a dancei com uma
mulher linda, mas não lhe perguntei o nome. Recebo um abraço e percebo que é a
mesma pessoa. Delicadamente desce a sua mão sob a minha fronte, fecha-me os
olhos e acaricia-me os lábios com os seus dedos compridos. Não tinha unhas de
gel, claramente eram dedos de pianista. Tenho a sensação que a última música
que dançámos foi tocada por alguém do bar para que ela a dançasse comigo. E
retomámos o momento… As palavras eram gestos, e os nossos corpos juntaram-se
num só em busca do ruído da eloquência. De braços entrelaçados, perfumámos o
corpo todo lingual e os dedos olhavam tudo por igual. Desejámos tudo em
silêncio e só quebrámos a regra quando atingimos simultaneamente o orgasmo. Foi
exímio. Inesperadamente cai uma lágrima do seu rosto que sinto cair na minha
mão, ao mesmo tempo que a sua mão me cobria a boca evitando perguntas.
Sosseguei porque senti nos seus lábios um sorriso confortante, e descansámos os
dois corpos forasteiros lado a lado como se sempre se tivessem amado!
- “São onze horas e trinta minutos”, o meu
relógio para invisuais acorda-me.
Ao meu
lado encontro um papel em braille:
- As notas do piano foram as palavras que
nos juntaram.
Obrigada pela noite.